Confissões de um Poema Hipocondríaco

Tenho em mim uma terrível doença:
-Não sei me fazer em versos livres!
Sim!... Pasmem, senhores!
Juro pelo cético Itabirano
que não sei me fazer em versos livres!
O que conheço por liberdade em poesia
é o avesso do que outrem poderia me dizer...
Disse:-dizer... e não:-me dizer poderia...
Não façam de minha consciência
um hipérbato acuado!...

É a prisão da métrica que me faz sentir-se
livre!
Livre e iludivelmente poderoso!
Mas de quê e em que, ah!Não sei dizer-lhes.
Perguntem ao Manuel, não a mim!...
Talvez isso se dê devido a trágica verdade
de que este moço
que me olha neste exato momento
com indiferença e sisudez
sabe apenas lapidar-me em poesias para os olhos
e não para o coração.

Pois vejam:
-Tirem-lhe o metro,
(foram-se os braços)
-Tirem-lhe a rima,
(foram-se as pernas)
-Tirem-me dele - O seu amado cativeiro!
E irá se revelar atrás de si
Um homem triste, sem sabor.
Sem esqueleto que o sustente
e fatidicamente desnudo...
A rima, a saborosa rima
lhe serve como o bater de um coração
pausadamente vivo.

Como as outras doenças sociais da vida,
Como os cabrestos mais convencionais,
Ele ainda precisa do meu restrito gozo.
O verso livre é uma cidade sem esquinas,
A capital que se desprende de si própria
como um rio que desemboca para o mundo.
E o meu senhor, carece de um abismo,
apenas um abismo, não de um mundo!
Liberdade em excesso é uma prisão sem grades!
e o meu senhor, apenas roga à si
a minha pragmática paisagem
( meu céu de monótonas nuvens)
onde possa, esporadicamente, jogar-se
ao derradeiro suspiro de um verso
como um beijo no espelho:
- branco,
vago
e sem rimas...

( Queiroz Filho)

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