Idílio Queixumes do Pastor Josino Contra a Falsidade da Pastora Nicélia

Lá, arrojado à luz do áureo agreste, Aonde retém Febo a fúria de um felino, Que traslada a fronte da celebre peste De que Belerofonte fora o assassino; Já da sombra despido do baixo cipreste: Almo conselheiro ao atroz desatino!... Que sorvendo em hausto os ares celestes, Logo o peito inflama do viço matutino Que o encantante Zéfiro, já bem prestes Está de inflamar o santo Céu benino, Aonde o Alado Minino, isento de vestes, Por teimosice fez o seu império Dino! E assentado ao ombro do herói d’Alceste, Co subjugoso Dom ao humano destino; Esculpi as proezas que, assi, investe Contra um pobre infante seio peregrino, Que de toda magia Idália se reveste, Dantes de sentir seu veneno viperino, E inda que o amante do Amor proteste, E, Jove, tonantíssimo, iroso e ferino, Por vez, debalde, o seu raio empreste Mais êxito terá em pálido Delfino! Visto que queixar-se a si ficar só reste, A quem em largo frejo assaz sovino, Sua branda ira pede que o Céu ateste: Cá está a matutar o embeiçado josino, Por cousa Mal lhe ser pertinaz idéia, Que combatida pla memória soberana, Quão simílimas são as graças de Medéia, Que do viril Jasão a estória fez ufana, Roga o almejado Bem á sabia Astréia! Posto que cá atado a ua quimera insana, De Orfeu, crê ouvir, a alta melopéia; Da lira que o Averno de Hades rompera, À Eurídice reaver da negra assembléia, Que do agoiro letal dua serpe morrera; E eis que o intrépido músico amante, Por Prosérpina e Hades, alertado fora De espiá-la só lá dos confins, á diante, Porém o triste amante levado por hora, De rojo, não vê-se, do feito confiante, E, dos Deuses, a ordem, violando chora! Sedento da esposa que, a névoas, em meio, Esvaindo-se, vai, sob as notas cabais, Que o órfão maestro pugira-lhe ao seio E a melodia levam de um nunca mais! Pois se ao seu desdém outro amor não veio, Contudo, lhe vinheram Ultrices fatais; Extirpadoras infames do etéreo enleio, Que em terrena vida não haverá jamais, Pois se amor da humana matéria é alheio, Bem elevar-se sabe aos planos astrais!... De onde me vinhera o flébil devaneio, Que sob Mil soluços me alimenta os ais, Nestas amaras águas de pranto sem freio Que da mágoa minha fazem funerais! Quão em natalícia gleba a alma receio Dar à vil inconstância de dizeres tais, Receando de vós, oh! Ninfas, o recreio, Que já se esmaltam aos leitos fluviais; O cabelo ondeante sob as águas cheio Que por assaz Beleza, não medem rivais, Ao dorso a mão içando em doce asseio, Na vista já ordenando os dardos letais, Que do Cupido herdara o fascinante veio E o augusto fulgor contém dos cristais, Oh onde absorto meu testamento leio, Sem contas dar, do Tempo, aos anais! Erguendo senecta a alma que baqueio A arrastar-se, do Elíseo, aos umbrais, Que só ao contemplá-las em curto passeio Já a vista me ferem como dois punhais, Que de tolo, ousado e atrevido, anseio, Ter de Reco a sorte ou servos tão leais! Ainda mais creria, no que pouco creio, Saber que cousa é amar em sonhos ireais, Mas de vazias mãos ao choroso ar vozeio: Que fermoso seio, que osc’los imortais Dest’alma quebrarão os duríssimos grilhões Que de meu néscio Nume o sopro devora E de Apolo implora, da lira, as canções? Que tão belos fazem, os jardins de Flora De cristalinos lírios envoltos em milhões, Por onde me achegando, Elsinda, agora, Inquirindo-me vai, onerosas questões: Elsinda O que fazes bom Píramo, da choupana, fora Acaso, tu procuras, no céu, soluções Que apenas na Augural ciência mora No dorso, nascida, das constelações? Não vês que a Febéia carruagem, embora, Já partira c’os valentíssimos leões, Os ares, aclamar, da Ocidental aurora? Dos campos, não te apraz, as imensidões? Aonde a Paz seu esp’rito virginal aflora, Extasiando, dos amantes, os corações; Porventura a Soidão o teu peito devora, Qual larva potente de fervidos vulcões? Plo muito amar-te digo-te sem demora: Se ao teu peito ardem áridos sertões, Que de lúgubres cores teu leito decoram Conduzindo-te a suplicantes sensações, Que té as proles de Lúcifer por ti lá oram No mais profundo caos de ardentes grilhões, Bem aonde injustos e hereges choram Gementes, da Dor, de ímpios arpões!... Dize-me, enfim, se isto que conjeturo, Exprime de tua face todo o lamento? Pois se certo estou, oh! Amado eu juro, Que te não deixarei sequer um só momento: Josino Acalma-te, Elsinda, que o teu amor puro, Já revelou-me assi todo entendimento, De meu mortal destino insano e duro! Destarte abrandarei a Dor, o Sofrimento, Tombando da Razão o altíssimo muro! E nas asas, guiado, de meu sentimento, Aplacarei o furor e, enfim, eu me curo, De somente almejar um alto pensamento, Que só me fez á vida, mudo e inseguro! Que vago ideal tal Fortuna me aspira Aos claros olhos onde ousei minha sorte? Que me importa que este coração se fira, Ou, num pérfido aço assi ele se corte, Se por gosto o débil peito a Dor se atira? Ó Céus... Ó Mares... Ó Vida... Ó Morte; Já que deste bruto Fado nada me tira, Permitam-me ao menos que o suporte, Que ora abrasaram est’ alma adormecida, Balouçando cá neste meu seio pungente A fúria de uma chama enlouquecida, Que nem mesmo Éolos apagá-la tente, Inda que, assi, não há de ser vencida, Por sua tempestade, mais potente, Há de alento ter só em ti, Nice querida! Se confias-me, então, num ardor fervente E reveles a primavera que há florida Na verdura que ocultas em manso leito, Enredando-me ao teu corpusc’lo delgado, Defronte aos lábios que tanto espreito, Sonhando co’o gozo jamais vingado; Exclamando-te ao Amor que me deleito: - Que tardaste-me a vir, oh doce Fado Cá aos braços deste teu amante eleito Que nunca vivera em tão sublime estado? Porém, deu-se o porvir o mor fracasso, Dos olhos meus, quando esboçar sentia, Lamuria tamanha, por teu descaso Das missivas que saudoso te escrevia, Quão deste amor tomou as rédeas o acaso, E triste a partir aos olhos meus mentia, Encerrando o pranto que aos teus eu caço, Qual o amor Nice, que neles também não via...

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